quarta-feira, 7 de julho de 2010

Eternidade

Há coisas que temos e devemos eternizar, porque são, de facto, eternas.

O texto foi-me dado a ler na escola primária, pelas mãos do meu professor, Eduardo Fonseca. Foi aos 8 ou 9 anos que descobri Saramago e uma escrita que me emocionou, ao projectá-la na minha vida, na minha avó Ana, a mulher que na acreditava que o Homem tinha ido à Luz, seis meses após o meu nascimento, mas que ajudou os filhos e filhas a criar os netos, eu incluida. A mulher que me acalmava muita birra, que me ouvia e com quem eu adorava falar e mexer-lhe nas mãos. A mulher que partiu agarrada à minha mão.

Fica para quem não conhece, Carta à Minha Avó Josefa:  Tens noventa anos. És velha, dolorida. Dizes-me que foste a mais bela rapariga do teu tempo - e eu acredito. Não sabes ler. Tens as mãos grossas e deformadas, os pés encortiçados. Carregaste à cabeça toneladas de restolho e lenha, albufeiras de água. Viste nascer o sol todos os dias. De todo o pão que amassaste se faria um banquete universal. Criaste pessoas e gado, meteste os bácoros na tua própria cama quando o frio ameaçava gelá-los.

Contaste-me histórias de aparições e lobisomens, velhas questões de família, um crime de morte. Trave da tua casa, lume da tua lareira - sete vezes engravidaste, sete vezes deste à luz.

Não sabes nada do mundo. Não entendes de política, nem de economia, nem de literatura, nem de filosofia, nem de religião. Herdaste umas centenas de palavras práticas, um vocabulário elementar. Com isto viveste e vais vivendo. És sensível às catástrofes e também aos casos de rua, aos casamentos de princesas e ao roubo dos coelhos da vizinha.

Tens grandes ódios por motivos de que já perdeste a lembrança, grandes dedicações que assentam em coisa nenhuma. Vives. Para ti, a palavra Vietname é apenas um som bárbaro que não condiz com o teu círculo de légua e meia de raio. Da fome sabes alguma coisa: já viste uma bandeira negra içada na torre da igreja. (Contaste-me tu, ou terei sonhado que o contavas?) Transportas contigo o teu pequeno casulo de interesses. E, no entanto, tens os olhos claros e és alegre. O teu riso é como um foguete de cores. Como tu, não vi rir ninguém.

Estou diante de ti, e não entendo. Sou da tua carne e do teu sangue, mas não entendo. Vieste a este mundo e não curaste de saber o que é o mundo. Chegas ao fim da vida, e o mundo ainda é, para ti, o que era quando nasceste: uma interrogação, um mistério inacessível, umas coisas que não faz parte da tua herança: quinhentas palavras, um quintal a que em cinco minutos se dá a volta, uma casa de telha-vã e chão de barro.

Aperto a tua mão calosa, passo a minha mão pela tua face enrijada e pelos teus cabelos brancos, partidos pelo peso dos carregos - e continuo a não entender. Foste bela, dizes, e bem vejo que és inteligente. Por que foi então que te roubaram o mundo? Mas disto talvez entenda eu, e dir-te-ia o como, o porquê e o quando se soubesse escolher das minhas inumeráveis palavras as que tu pudesses compreender. Já  não vale a pena. O mundo continuará sem ti - e sem mim. Não teremos dito um ao outro o que mais importava.

Não teremos realmente? Eu não te terei dado, porque as minhas palavras não são as tuas, o mundo que te era devido. Fico com esta culpa de que me não acusas - e isso ainda é pior. Mas porquê, avó, porque te sentas tu na soleira da tua porta, aberta para a noite estrelada e imensa, para o céu de que nada sabes e por onde nunca viajarás, para o silêncio dos campos e das árvores assombradas, e dizes, com a tranquila serenidade dos teus noventa anos e o fogo da tua adolescência nunca perdida: "O mundo é tão bonito, e eu
tenho tanta pena de morrer!".

É isto que eu não entendo - mas a culpa não é tua.

by José Saramago

domingo, 4 de julho de 2010

A Bela e o Monstro

As pessoas, às vezes, são como as feras, atacam quando têm fome e depois de saciadas coabitam em harmonia com as presas.

Os animais atacam por necessidade, por fome ou instinto de sobrevivência. Os homens alegam essas mesmas necessidades, mas na realidade atacam por outros fundamentos. Crises de auto-estima, status, ganância, cobiça...um sem-número de razões camufladas numa suposta ferida que deixa marcas para toda a vida.

Diz a mitologia que o Leão de Neméia que devastava a região e o povo não conseguia matar, foi estrangulado por Hércules. Acabada a luta, este arrancou a pele do animal com as suas próprias mãos e passou a utilizá-la como vestuário. Assim, a criatura derrotada, converteu-se numa constelação.

Uma mera história alegórica, eu sei, mas que nos dá lições para a vida. É sempre melhor enfrentar com todas as forças que temos a besta, a deixar que ela continue o seu domínio e a espalhar o mal pela terra.

Hércules utilizou a pele do animal como vestuário, nunca se converteu nele, mas fê-lo converter-se numa constelação, mais uma a pairar no universo infinito.

E se o mal existirá sempre, também o bem existirá sempre, porque há muitas feras por aí, mas também há gente bondosa, capaz de dar a vida pelos outros, mas com a consciência que tem vida para lá dos outros.

É verdade que existe o tempo do verbo " Eu sou", mas também é verdade que existe o "nós somos". É verdade que existe a palavra "poder", mas também é verdade que existem palavras como, queda, ou exaltação.

É verdade que existem corações arrogantes e inflexíveis, mas também existem corações criativos, generosos e optimistas.

É tudo verdade, mesmo quando a mentira não é mais do que um espelho de nós próprios. Nós somos o que fazemos.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Maldição

Que sentimento é esse ?

que te dá energia

capaz de abanar

o Anel de Fogo do Pacífico



capaz de enfrentar

a cólera das tempestades

do golfo do México



a fúria dos ventos

nas pradarias dos States



ou mesmo capaz

de nadar

contras as correntes invasoras

da Europa

que matam e inundam

África...



Que sentimento é esse

que

abre a boca da terra

no topo do globo

incendia a cor do solo

na oceânia

e racha gelo nos polos ?

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Ode às bruxas!

O dom de encantar


Com as palavras

Ou...

Uma maldição que enfeitiça

Todos que se encantam



O dom da delicadeza

Da simplicidade

De um carinho imenso

Da doce amizade



Uma grande maldição

Que cativa

Enfeitiça corações

Enchendo-os de ilusões

Transbordando paixão



Será um dom

Ou uma maldição



Poema as Bruxas do Blog Diário de 1 Bruxa