terça-feira, 17 de agosto de 2010

1 boa ladra rouba sempre 1 bom texto !

Amizade Colorida, escrito por Edsin Athayde

     A foto do perfil de João no Facebook era a preto e branco, a de Ana era colorida.
     João, na verdade, era preto e branco, como todas as coisas deveriam ser. Quando queria, João era sépia mas nunca abusava do efeito, sabia que, mais cor menos cor, um homem poderia pôr-se a jeito. Já Ana tinha a mania da policromia.
     João não era um problema de impressão, era assim por opção, decidira ainda miúdo não ligar às cores do mundo, não ser verde como a relva, nem azul como um sonho, preferia ser a imagem no espelho de um radical daltónico, retrato velho de um saudoso crónico.
     Já Ana era pastel às quartas e quintas, "ton sur ton" segundas, terças e sextas, berrante aos domingos e aos sábados irreal arco-íris.
     João era um tipo discreto, até meio cinzento, daqueles que não gostam de festas, não vão a bailes, usam galochas no Inverno e tratam doenças com unguentos.
     Ana era daquelas que se alimentam de risos, que já nasceram sem sisos, incapazes de pensamentos sombrios e torpes, que acreditam num mundo em technicolor, em amores de cinemascope.
     João e Ana encontraram-se no Face por acaso, numa caixa de comentários sobre uma exposição de pintura. João clicou no "like" a propósito de umas gravuras feitas em carvão. Ana, claro que não, só tinha olhos para um certo pintor impressionista.
     O certo é que, como num cliché de uma gráfica antiga, os opostos se atraíram, não fosse cupido um irresponsável artista. E assim, Ana e João apaixonaram-se ao trocarem posts sobre um quadro daquele espanhol cubista.
     Ana pintou o sete com a alma de João. E ele imprimiu sombras na aguarela da amada, o que só tornou as cores ainda mais bonitas. Mas, com o tempo, aquela paixão enfim desbotou. João deixara de ser genuíno, já não era a preto e branco como a opinião de um menino. João tornara-se garboso como um pavão e passou a ter casos com raparigas de cartazes de oficina.
     Ana ainda saiu com dois ou três cromos da bola só para fazer ciúmes mas mal conseguia disfarçar o seu negro azedume. Desesperada, viciou-se em tinta da china enquanto João andava enrolado numa lasciva e falsificada serigrafia.
     Um dia, vermelha de raiva, amarela de desespero, Ana morreu de overdose com uma caneta tinteiro. joão, em lágrimas, percebeu o erro mas era tarde demais. Pálido com a perda do amor, ele que se permitira enfeitiçar pelo mundo da cor, deixou de se armar em bom, cancelou o seu perfil no Face e em noites sem lua sai pelas ruas a ganir e a tentar explodir os cartazes da Benetton.

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